Ser pai não é uma tarefa fácil quando ter um filho é um desejo, planejado e sonhado. Muito mais difícil quando a paternidade acontece sem esses pré-requisitos. Tudo depende de como a notícia é recebida e de como a pessoa irá agir dali em diante.
Mas independentemente de qual tenha sido o processo, vivenciar os desafios da paternidade exige cautela, paciência, amor, dedicação e resiliência. A expectativa que se deposita na paternidade é muito grande, pois os papais já nascem com uma missão equivocada de “ser o herói” e, dependendo de como isso é encarado ao longo da vida, pode gerar traumas tanto na figura paterna, quanto no filho (a).
Apesar de muitos pais acreditarem que sabem todas as necessidades dos filhos, é importante entender que nem sempre essa afirmação estará correta.
Aliás, hoje em dia, costuma ser mais comum do que antigamente de se ver um pai questionando o que gostaria de ser para seu filho e como representar isso. No passado, isso era feito mais no “feeling”, no improviso, o que abria mais brechas para os equívocos que levariam ao estabelecimento de uma relação não fluída.
Mas o fato é que, ao longo da vida, filhos terão necessidades diferentes, que são determinadas por suas fases, experiências, seus relacionamentos, seus princípios, suas escolhas e seus desejos. O mesmo pode ser aplicado aos pais. Esse indivíduo terá pensamentos e questionamentos diferenciados ao longo dos anos. Enxergará as situações de formas variadas e, algo que teoricamente era certo antes, pode não valer no dia de hoje, dependendo das variáveis que cercam seus filhos.
As vivências e frustrações internas e da vida irão influenciar e muitos pais não sabem lidar com tais mudanças quando se tratam de seus filhos. Da mesma forma, isso também ocorre com relação aos filhos para com seus pais, uma vez que é ao longo da vida que vão amadurecendo e se permitindo ter mais empatia com seus progenitores.
Estas, inclusive, são as maiores causas de desentendimentos entre pais e filhos, pois eles nem sempre estão alinhados em seus planos e expectativas e é necessário respeitar o espaço do outro indivíduo.
Ou seja, por parte dos pais, é difícil estar ali para acolher, sem deixar de orientar, cuidar, prover de fato esse amor paternal, evitando os excessos e faltas, pois há o instinto natural de tentar proteger os filhos sempre, em qualquer fase da vida.
Da parte do filho, o desafio é compreender o direcionamento do pai, despersonalizando-o pelo direcionamento ou intensidade dos comportamentos, e sim conectando-se com a parte mais objetiva da informação que aquele pai emitiu, para, então, poder analisar e agir.
Além disso, a relação pai e filho é muito carregada pelo tema de aceitação, expectativa que ocorre de ambos os lados, que quando frustrada, também pode fazer uma manutenção muito negativa nessa relação, uma vez que o indivíduo tende a ficar buscando isso, o que pode nunca ser atingido em sua plenitude. Não é tão simples explicar, mas buscar a aceitação através dos olhos dos outros, para qualquer relação, pode ser desgastante, frustrante e possivelmente será uma relação desrespeitosa.
Trabalhar tudo isso exige empenho, bom-senso e cautela! É importante entender que o pai e o filho como seres completos, individuais, que possuem necessidades isoladas; para uma tomada de decisão sobre algo, deveriam contar com a capacidade de ponderação, discernimento e decisão de ambos em uma possível situação. Talvez esse seja o maior desafio dos pais em relação aos seus filhos, mas a recíproca também ocorre.
Então, qual é a linha que divide proteção, invasão de privacidade e o autoritarismo? Como um ser que se sente frustrado e machucado nessa relação poderia enxergar a situação diferentemente para evitar conflitos dentro do que é possível, mesmo que de fato não concordem entre si?
A linha é tênue a partir do momento que o pai quer o bem do filho e possivelmente consegue imaginar coisas, que para ele são verdades reais, que poderiam trazer uma consequência negativa para seus filhos. Entretanto, você, pai, consegue imaginar que a motivação do seu filho é genuína e para ele aquilo pode fazer muito sentido?
Nessa relação, os filhos buscam autonomia e por isso se defendem tanto quando se conectam com suas próprias ideias. Sendo assim, quando se expõe as variáveis de uma situação, ao conectar-se só com o que é real na situação e as possíveis consequências, você, pai, poderia ajudar seu filho a ponderar o que é importante para que a tomada de decisão seja autônoma e mais segura.
Em certos casos, cabe refletir que, se não for possível mudar a ideia de um filho, deixá-lo experimentar, com suas próprias pernas e olhos, pode ser um meio de aprendizagem para ele. Em linhas gerais, proibir, punir, gritar, brigar, xingar não vão educar tanto quanto se abrir com seu filho sobre suas próprias preocupações, bem como, deixá-los se expor às experiências funcionais para eles.
Aqui vale um disclaimer: é claro que esse texto foi pensado e desenvolvido sobre situações cotidianas, que não oferecem resultados catastróficos, em que os filhos já possuam certa idade, discernimento, capacidade de gerenciamento de algumas escolhas. Mas perceba que é como uma estrutura que se aplica a diversos tipos de situações diferentes. É muito mais sobre discernir o real, reagir melhor e dar a oportunidade do seu filho de aprender sobre as variáveis “da vida”, do que sobre reagir sem orientação para o que se pensa que seria o melhor para ele.
“O melhor” é relativo; o que se deveria buscar é o que é mais funcional. Em casos de extremo risco, de não compreensão ou de não se saber como lidar, procurar um profissional psicólogo é o mais indicado.
Em caso de relações já estremecidas, a Terapia Cognitivo-comportamental propõe que a solução pode estar em uma relação pautada em valores, na qual se compreende que o valor da relação entre um pai e um filho é, na verdade, um laço, que marca o ponto de partida, o início da vida daquele filho, e que isso significa por si só, uma base e continuação da vida e dos assuntos da vida daquelas pessoas, que é inegável.
A princípio, isso pode não significar muita coisa quando se lê aqui, mas, do ponto de vista da psicologia, todos os significados da sua vida partem do que sua experiência já enxergou do mundo. Se você (seja o pai ou filho) não se permitir entrar em contato com os conteúdos que formam sua percepção desde o início, talvez não consiga assimilar suas qualidades e limitações, forças e fraquezas, para assim se desenvolver sobre qualquer tema.
A forma com que nos relacionamos com as coisas e pessoas parte da visão de mundo, que parte da origem de cada um. Sendo assim, tudo que construímos e conquistamos só se concretiza a partir da nossa origem. Ou seja, se a interação pai e filho não partir do pressuposto de que há valor nessa história que se tem, é muito difícil que essa relação se desenvolva também tendo o respeito como base.
Além disso, a TCC também propõe que a flexibilidade na forma de compreender as situações, as possíveis ameaças e suas magnitudes são aspectos fundamentais para se conectar antes de lidar com as dificuldades; irá fazer toda a diferença no processo. Ademais, é fundamental fazer o possível para estruturar uma relação de respeito (o que não significa aceitação ou submissão), mas que não fere limites de convivência.
Importante ressaltar: nesse processo, crenças que também não contribuem para o processo de ter uma relação funcional entre pais e filhos podem emergir. Conforme dito acima, um exemplo disso é a perspectiva de herói que um filho pode esperar de um pai, bem como a mesma ideia pode partir do próprio pai, que espera desempenhar essa função na vida do filho. Percebe que há uma distorção nessa ideia? Muito possivelmente, não será sempre assim, um processo contínuo e linear, pois as próprias fases da vida exigirão diferentes percepções desse papel, faz sentido?
O Dia dos Pais passou. Se você tem um relacionamento complicado com seu filho, ou com seu pai, aproveite a oportunidade para uma possível aproximação, com valor, entendimento, diálogo, amor e respeito. Esta é uma data simbólica, mas que faz com que as pessoas passem a olhar com mais carinho para o seio familiar. Que seja uma nova chance, um recomeço, ou ao menos o início de uma nova história de compreensão dessa relação.
Gabriela Di Modica Braga
CRP 06/139645
Psicoterapeuta e Supervisora
Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental
Gabriela Di Modica Braga
CRP 06/139645
Psicoterapeuta e Supervisora
Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental